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Genolina Gomes de Moura

13/09/1926

17/02/2017

Conhecida por Dona Genó, é natural de Barreiras- Ba, de onde veio ainda criança para Goiás, com a família, numa grande comitiva de
retirantes. O pai veio em busca de trabalho, com um sonho de melhorar a vida. Ao chegarem em Goiás, moraram no município de Silvânia. Na adolescência, com a morte do pai, o cunhado, marido de sua irmã mais velha, ficou responsável por Genó. Nessa época mudaram para Jandaia, onde Genó se casou com o viúvo João Pereira de Moura e tiveram cinco filhos, mais os três do marido e uma afilhada que passou a morar com Genó, a família ficou numerosa. Depois de casada Genó começou
trabalhar como professora. Dona Genó foi professora por vinte e nove anos e meio em na cidade de Jandaia.

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Texto-Narrado
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Dona Genó

“Quanta gente caminhando estrada a fora
Vai pisando a terra seca do sertão.
Leva a saudade, deixa a dor, leva a esperança,
Esperando a chuva pra molhar o chão.
O retirante, a cada passo, vai deixando no
Chão que vai pisando, o desejo de voltar...”

A história de Dona Genó começa lá na Bahia, na cidade de Barreiras, que é cortada pelo Rio Grande, principal afluente da margem esquerda do Rio São Francisco, considerada atualmente o município mais populoso do oeste baiano, distante 864 km de Salvador, capital da Bahia.
Naqueles quase trinta anos do novo século vinte, Barreiras não contava ainda com imensas plantações de soja como nos dias atuais, embora já mostrasse, à época, ser uma cidade avançada e movimentada, talvez por ser portuária.
Genolina César Gomes, carinhosamente chamada por Genó, nasceu em treze de setembro de 1926, numa família de cinco irmãos, sendo ela a caçula. O pai Francisco, conhecido como Chil, a mãe Joana, os irmãos Almerinda, Durval, Camerinda e Corina moravam numa chácara nos arredores de Barreiras, com o Rio Grande como testemunha, era dessa chácara que sobreviviam com o que plantavam e com os animais que ali criavam, dali tirando todo o sustendo para a família. Mas, ainda assim, não supria as necessidades e os desejos do pai de Genó, que queria mais para sua família e, como todos os retirantes baianos, sonhava em progredir. Decidiu então fazer o mesmo que o irmão Tal, ir para Goiás, “região de imensos e esquecidos eitos de terra, surgido do brilho do ouro nos tempos do Brasil colônia, um mundão de meu Deus” que se perdia no coração do imenso Brasil Central. Goiás, com um futuro promissor, se tornou o desejo da maioria dos retirantes da Bahia naquele começo de século e não foi diferente para os irmãos Tal e Chil, que, com o sonho de prosperar, vislumbraram a possibilidade de trabalho e um melhor meio de ganhar a vida. Os irmãos, em anos diferentes, deixaram a cidade natal e partiram em grandes comitivas rumo a Goiás. Tal foi o primeiro a se aventurar, alguns anos depois foi a vez de Chil correr atrás do seu sonho, deixando a família em Barreiras. Chegando em Goiás foram trabalhar na construção da estrada de ferro que liga Vianópolis a Silvânia, indo para Goiânia. Algum tempo depois o irmão Tal voltou à Bahia, e um dos motivos era trazer a família de Chil para Goiás.
Depois de preparar tudo que era necessário para a longa caminhada rumo a Goiás, o irmão Tal trouxe o restante da família de Chil numa grande comitiva de retirantes liderada por ele, que ocorreu no final dos anos vinte. Joana, a mãe de Genó, era só tristeza e choro por toda a viagem, pois uma das filhas, Camerinda, se recusou a acompanhar a mãe ficando com a avó em Barreiras. Genó estava com apenas um ano de idade e não sentiu tanto o sofrimento da longa viagem feita dentro de um jacá, uma espécie de cesto grande, conduzido por um jegue, animal utilizado como meio de transporte da época, usado para transportar cargas; e Genó veio assim, como também vieram as crianças menores, nas garupas de burros. Já os adultos e crianças maiores seguiam a pé, num trajeto que durou aproximadamente dois meses, entre paradas nas fazendas e os pousos necessários para o descanso da comitiva, e também para que os homens arranjassem um ou outro trabalho durante o longo caminho.
No retorno a Goiás, acamparam todos na região da Biquinha, local de “rancharia dos turmeiros”, como eram chamados os construtores de estrada. O lugar ficava na entrada de Silvânia, bem próximo à linha de ferro. Como os serviços da construção da linha de ferro haviam sido paralisados, os operários foram trabalhar na construção da rodovia que liga Anápolis (Antas) a Goiás Velho. A propósito, a estrada era aberta a enxada e enxadão. “As tarefas eram divididas entre os grupos de operários, cada grupo liderado pelo turmeiro ou gerente da turma”, e Chil era um desses turmeiros. “A rancharia era o ponto de apoio para os trabalhadores”. As mulheres preparavam as refeições que era distribuída por um “marmiteiro” aos operários.
Três anos após a chegada em Goiás, finalmente a estrada entre Anápolis e Goiás Velho foi concluída. Joana sentia muito a falta da mãe Maria Raimunda e da filha Camerinda, então Chil decidiu juntar a família e todos os pertences para repetir a mesma peleja do trajeto da vinda, só que de volta à Bahia, entre paradas e pousos nos intermináveis três meses de viagem. Chegando em Barreiras, Chil estava com pneumonia e não melhorava de jeito nenhum. Acredita-se que a melhora de Chil se deu por conta da reza feita pelo sogro José nas “águas do Rio Grande em que pedia a cura do genro, oferecendo a Deus a sua vida em troca”. José era benzedor, assim como a sogra Maria Raimunda. Chil ficou curado, mas logo depois José adoeceu e em seguida faleceu.
Depois da morte do avô de Genó, Chil decidiu vender a chácara e voltar para Goiás. Após a venda, dividiu o dinheiro com a sogra e o cunhado Damásio, e partiram outra vez rumo a Goiás. De novo, a mesma peregrinação, a mesma peleja de outros anos, deixando enterrado em Barreiras, assim como o avô de Genó, a certeza de não voltar mais. Deixou a terra de seus pais e familiares, a terra onde nasceram e cresceram. Alguns nunca mais voltariam a Barreiras, jamais veriam novamente as águas do Rio Grande, como Genó, que guardou na memória o pouco tempo da tenra idade que ali viveu.
No retorno a Goiás, Chil foi morar com a família no Quilombo, num lugar chamado Cabeças, onde trabalhou fabricando telhas. Em seguida, a convite do irmão Tal, foi para o Esmeril, município de Vianópolis. Ali morou numa casinha tipo rancho, muito velho, na beira de um córrego e junto com o irmão plantava roça. Na roça todos pegavam no cabo da enxada, de sol a sol, menos a pequena Genó, que ainda não dava conta da lida diária.
Os anos foram passando, os baianos se ajeitando como podiam, trabalhando arduamente. Damásio, cunhado de Chil, arrumou trabalho numa grande fazenda de uma viúva rica de São Paulo, entre o Quilombo e o município de Luziânia, cuidando do velho casarão e das terras. Foi então que chamou Chil para morar perto dele. Chil não pensou duas vezes, arrumou a mudança e foi com a família. Ali levantou uma casinha com paredes de barro. Foram anos de trabalho, porém bem festivos. Damásio gostava de dar festas no velho casarão ao som da sanfona e muito arrasta pé. Chil frequentava essas festas e sempre levava as filhas e fazia questão que todas dançassem, não podiam rejeitar as danças. As moças do Quilombo não se misturavam com as lindas baianinhas, pois havia muito preconceito. Elas as olhavam de banda, os costumes eram diferentes, os cortes de cabelo, as roupas, o linguajar. A distância cultural entre baianos e goianos era enorme, não havia interação. Nessa época começaram a surgir as grandes paixões entre baianos e goianos. Mas aquela geração que viera da Bahia só se casaria entre si, com exceção de Genolina e sua irmã Camerinda, mas é um assunto mais para adiante.
A produção das roças garantia o sustento de todos. As mulheres costuravam e criavam galinhas. Não havia dinheiro, os negócios eram feitos à base de trocas. Existia entre os baianos uma grande solidariedade.
Vinda da Bahia, em tenra idade, aos sete anos, Genó foi morar com a irmã mais velha Almerinda, já casada com o também baiano Otacílio, para ajudar a cuidar dos sobrinhos, que eram muitos. Com o falecimento do pai, o cunhado Otacílio tornara-se responsável pela menor. Muito nova, Genó se diferenciou das irmãs. Desde que começou a frequentar a escola lá no Quilombo, Genó se destacou demostrando o gosto por estudar, sendo muito boa em leitura e boa também com os números. Aos treze anos começou a auxiliar um primo professor, a ensinar outras crianças a ler e fazer contas, despertando, nessa época, o gosto pela docência.
Genó era uma baianinha muito bonita, sendo natural que os pretendentes aparecessem, mas o cunhado Otacílio não via com bons olhos nenhum dos possíveis pretendentes. Um fato ocorrido foi que a cunhada de Joana, tia das irmãs baianas, enviou uma foto da família para os familiares de Barreiras e, quando seu irmão de lá viu a imagem de Genó na foto, se apaixonou, arrumou as malas e partiu para Goiás com intenção de se casar com a linda baiana. Mas Otacílio decidiu se mudar com família para a capital Goiânia e levou junto a jovem Genó. Por lá permaneceram por pouco tempo. Ela trabalhou como babá de crianças, auxiliar de sapataria e no correio, como telegrafista.
No ano de 1942, novamente outra mudança, dessa vez definitiva para Genó. O cunhado Otacílio decidiu ir para Jandaia com toda a família, e levou junto Genolina. Após dois anos morando em Jandaia, foi apresentada pelo cunhado Otacílio a João Pereira de Moura, um viúvo com três filhos pequenos, filho do fazendeiro e um dos fundadores da cidade Francisco José de Moura, que viria a ser seu marido. Em doze de dezembro de 1944, Genó se casou obedecendo à orientação do cunhado a quem respeitava como um pai. Com o matrimônio, passou a se chamar Genolina Gomes de Moura. Após o casamento, Genó foi morar na chácara Água Limpa, de propriedade do sogro, bem próxima de Jandaia, com o marido e os filhos de João: Levi, Ademar (Rosa) e Natal, as crianças tinham entre sete e dois anos de idade. Nesse período, para ajudar nas despesas da casa, Genolina costurava para fora numa máquina de costura manual.
No matrimônio, teve cinco filhos, Humbelina, Leovaldo, Olímpio, Maurio e Nilva, juntando aos três do marido, que criou como filhos. E mais tarde, aumentou a prole para nove, quando recebeu de presente a afilhada Emília, que criou como filha e com Genó permaneceu até os seus últimos dias, numa vida dedicada à sua madrinha.
Sempre mesclando o árduo ofício de dona de casa, costureira e professora, fato que aliás deve ser ressaltado, Genó recebeu a nomeação de professora do governador à época, Pedro Ludovico Teixeira, a pedido do sogro que o recebia em sua fazenda para “pousos” (pernoitar), já que a estrada que ligava Rio Verde a Goiânia passava em frente à sua fazenda (Fazenda Cachoeirinha). Era comum os viajantes pararem ali para descanso dos animais e pernoitarem, pois na época, o meio de transporte era no lombo do cavalo ou carroça puxada por cavalos.
Em 1952, começou a dar aulas nas fazendas, em várias regiões do município de Jandaia, como Água Virada, Campestre, entre outras. Se em uma região havia muitas crianças, para lá se mudava com toda a família para lecionar. As aulas eram dadas conforme as condições do lugar, embaixo de árvores ou em ranchos construídos para tal finalidade; o tempo das aulas era medido pela luz do Sol, que quando estava a pino, era hora de todos pegarem seus caldeirões com a matula (merenda) para comer. Da mesma forma, com o sol já baixando, era hora de terminar a aula do dia. E foi assim por mais ou menos seis anos, até ser chamada pelo prefeito à época, Walter Ribeiro, no ano de 1958, para dar aulas na cidade, fixando residência em Jandaia. Nos anos setenta, concluiu o Magistério e, posteriormente, fez o curso de Pedagogia em Rio Verde, distante 150 km de Jandaia, onde ia aos finais de semana, da maneira que dava, de ônibus ou carona, já que não possuía carro próprio. Foi a única de sua geração a concluir um curso superior. Trabalhava nos três turnos nas escolas de Jandaia. É importante ressaltar que, junto com a colega Conceição Esteves, foram as primeiras professoras a cursarem o curso superior de Pedagogia. Como professora trabalhou por vinte e nove anos e meio. Foi uma das professoras pioneiras do município de Jandaia.
Genó foi uma exceção, a única da família de Chil e Joana a ter um curso superior, e “o curso superior só deixaria de ser exceções a partir da terceira geração, a segunda nascida em Goiás”. Na linha de sucessão do ensino superior, dos cinco filhos de Genó e João, mais os três enteados e a filha de coração, apenas dois concluíram o ensino superior. Dos netos, uma pequena parcela concluiu o ensino superior, já os bisnetos estão avançando nesse quesito.
Muito ativa na comunidade Jandaiense, percorreu seu caminho sempre pautada na dignidade, honestidade, caridade, religião e política. Engajada a serviço da comunidade, foi professora, supervisora de ensino, diretora, vereadora e comerciante. Por mais de quatro décadas, dedicou seu tempo também, junto ao esposo João, a um dos dois únicos modestos hotéis de Jandaia.
A pequena, grande mulher, amiga, comadre, esposa, cunhada, madrinha, tia, irmã, mãe, avó, bisavó, trisavó e tetravó Genolina, teve uma vida dedicada à família e à comunidade de jandaia.
Aos poucos, já na velhice, devido às suas limitações de saúde, deixou de andar, passou a usar o andador para auxiliá-la e, posteriormente, cadeiras de rodas, mas não via dificuldade em passear, ir à igreja, à feira, à praça da cidade, festas, enfim, estava sempre pronta. Também aos poucos, a fala ficou um pouco comprometida, falava com dificuldade, mas, ainda assim, era “antenada” com tudo ao seu redor, passando boa parte do seu dia assistindo aos programas de TV, como missas, terços, novelas, esportes e, enquanto assistia, fazia palavras cruzadas, fazia crochê e bordava, gostava muito de ler...
Estava sempre disposta e sorridente, e era uma alegria ver, todos os dias, o sorriso cativante que estampava seu rosto. Assimilou sem reclamar sua condição de vida, sempre buscando nas orações sua alegria de viver junto à sua família.
Esta é a história da baiana arretada Dona Genó, que seguiu vivendo alegre e festiva, até quando Deus permitiu o seu convívio junto da família que a amava incondicionalmente a cada dia de sua vida. Era o orgulho de todos, um exemplo a ser seguido pelos seus descendentes. Uma história desconhecida para muitos da família e amigos, que saberão o quão dedicada às responsabilidades que a vida lhe ofereceu foi Dona Genó. É importante que os netos, bisnetos, trinetos, tetranetos e sobrinhos saibam a história da matriarca Dona Genó, que, na sua singeleza e humildade, foi uma mulher um pouco à frente de seu tempo, rompendo barreiras em uma época que a mulher era tão somente para procriar e cuidar dos afazeres domésticos, mantendo obediência e submissão ao marido. Dona Genó enfrentou todos os desafios e seguiu em frente naquilo que acreditava ser um dom.
Para os filhos, noras, netos, trinetos e tetranetos é um grande orgulho saber que Dona Genó seguiu como uma guerreira na luta diária de seus dias devido às suas limitações. Sempre lúcida, até um dia antes de Deus chamá-la de volta para junto de Si, ela manteve seu sorriso lindo estampado no rosto. Genolina dormiu bem e não acordou naquela manhã de sol do dia 17 de fevereiro de 2017.
Sempre muito amada por todos da família, familiares, amigos e ex-alunos de longa caminhada, sua partida deixou um enorme vazio e uma saudade infinita.

Sua História de vida
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